Críticas Reformadas a John Wesley
Quando o assunto é John Wesley, a tradição reformada não costuma usar panos quentes. O metodista inglês, com seu fervor missionário e sua ênfase experiencial, provocou aplausos e arrepios em igual medida. Para além da elegância literária de suas homilias, muitos teólogos reformados enxergam na teologia wesleyana uma série de fragilidades estruturais — falhas de arquitetura doutrinária que, cedo ou tarde, cobram seu preço. É disso que trata este texto: uma radiografia direta, sem floreios, das críticas clássicas dos reformados a Wesley.
O primeiro ponto, sempre o mais sensível, toca na espinha dorsal da soteriologia. Para a tradição calvinista, Wesley concedeu ao homem um protagonismo exagerado no drama da salvação. Sua doutrina da graça preveniente funciona, aos olhos reformados, como uma reintrodução furtiva do livre-arbítrio dentro de um edifício que deveria repousar exclusivamente na soberania divina. Ao insistir que o homem pode, pela graça, aceitar ou rejeitar Cristo, Wesley deslocou o eixo da salvação para a agência humana — algo que os reformados consideram um risco espiritual, quase um retrocesso doutrinário. Deus, que deveria ser o autor e consumador da fé, acaba tratado mais como habilitador do que como realizador. E isso, na leitura reformada, é teologicamente inaceitável.
A segunda crítica é consequência direta da primeira: Wesley defendia que o crente pode perder a salvação. Para os reformados, isso é abrir a porta para a insegurança, para o medo constante, e para uma vida cristã baseada em desempenho. A preservação dos santos é, para eles, um pilar da consolação bíblica. Wesley, ao relativizar essa verdade, teria colocado o crente no fio da navalha — sempre prestes a escorregar, como se a graça fosse um contrato condicionado à performance humana. Para a tradição reformada, isso representa um downgrade severo na doutrina da segurança eterna.
A terceira crítica — talvez a mais polêmica — diz respeito à famosa doutrina wesleyana da perfeição cristã. Wesley acreditava que um crente poderia, nesta vida, atingir um estado de “perfeição em amor”. Os reformados chamam isso de “otimismo antropológico”, um sonho bonito, mas teologicamente frágil. Na leitura histórica da Reforma, a santificação é progressiva, imperfeita, marcada por quedas, arrependimentos e avanços. A ideia de perfeição moral, ainda que restrita à intenção amorosa, parece mais expressão de um ideal pastoral do que uma doutrina enraizada na realidade bíblica do pecado remanescente. Para os calvinistas, Wesley prometeu ao fiel uma santidade que a Escritura só garante na glorificação.
Outra crítica recorrente é a instabilidade estrutural do arminianismo metodista. Muitos reformados argumentam que o sistema wesleyano, por mais piedoso e bem-intencionado, carece de robustez confessional. Falta-lhe densidade sistemática, coerência interna e lastro doutrinário. A teologia de Wesley — profundamente pastoral, prática, devocional — não sustenta bem os pesos pesados da metafísica reformada. Isso cria uma teologia que oscila: ora puxa para a graça, ora exige do homem um comprometimento que, no fim, acaba minando a própria doutrina da graça. É uma tensão que nunca se resolve plenamente. A tradição reformada vê isso como um risco de governança doutrinária: muita experiência, pouca estrutura.
Essa tensão se manifesta ainda mais no modo como Wesley interpretava as Escrituras. Os reformados acusam-no de certa inconsistência hermenêutica, especialmente ao selecionar textos que favorecem o livre-arbítrio e ao atenuar as passagens que enfatizam a soberania divina. Wesley era pastor antes de ser teólogo, e sua leitura bíblica frequentemente era moldada pela necessidade pastoral. Isso, embora compreensível, leva muitos reformados a dizerem que ele cedeu ao subjetivismo, ao “texto aplicado” mais do que ao “texto exegético”.
Não por acaso, outra crítica pesada é sua ênfase marcante na experiência religiosa — o coração “estranhamente aquecido”, o calor devocional, a vida piedosa vivida no pulso do afeto. Os reformados, que sempre preferiram o lastro doutrinário ao calor emocional, veem nisso uma vulnerabilidade. Experiência é boa, mas, quando vira norte, abre-se margem para instabilidade, sentimentalismo e até para desvios posteriores.
A crítica ao método evangelístico wesleyano segue a mesma linha. Suas pregações ao ar livre, seus apelos públicos, sua linguagem simples e direta — tudo isso agradou multidões, mas levantou suspeitas entre calvinistas tradicionais. Para muitos deles, Wesley correu o risco de transformar evangelismo em produto de massa: alta aquisição, baixa retenção doutrinária. O que era estratégia missionária virou, aos olhos reformados, uma táctica perigosa, capaz de gerar conversões emocionais sem raízes profundas.
Por fim, existe a crítica histórica: muitos apontam que o movimento wesleyano pavimentou, ainda que involuntariamente, o caminho para movimentos posteriores considerados problemáticos pelos reformados — o movimento de santidade, o pentecostalismo, os movimentos de restituição, e até expressões neopentecostais mais tardias. Wesley jamais imaginou isso, mas o solo teológico que ele preparou acabou se mostrando fértil para teologias baseadas na experiência, no emocional, e na busca por eventos espirituais extraordinários.
Em resumo, para a tradição reformada mais clássica, as fragilidades da teologia de Wesley se concentram em três áreas cruciais:
(1) uma antropologia otimista demais,
(2) uma soteriologia dependente demais da resposta humana,
(3) uma espiritualidade movida demais pela experiência.
Wesley foi, sem dúvida, um gigante. Mas, sob a lente fria da ortodoxia reformada, foi um gigante cujos passos deixaram rachaduras que a tradição calvinista ainda aponta com preocupação. É uma crítica dura, mas honesta — porque, em teologia, como na vida, coragem e clareza sempre caminham juntas.
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